E se a menina Júlia, no final da peça de Strindberg, não se tivesse suicidado como o dramaturgo insinua (mas não mostra)?
E se, passados 32 anos, João e Júlia gerissem um modesto hotel junto a uma estação de comboios e não à beira do Lago Como, tal como chegaram a fantasiar?
Tiago Rodrigues imagina como poderia ter sido.
Num primeiro momento assistimos a uma noite típica na cozinha do hotel, entre João e Júlia no tempo presente, e à sua rotina. Falam com o público e entre si, de como ali acabaram e de como, à sua maneira, são felizes. Rotinas de um casal de longa data.
No que podemos chamar de segundo acto, entram em cena as três personagens originais (jovens), e assistimos a uma versão condensada do texto de Strindberg. Os actores mais velhos assistem em cena à atribulada noite de São João entre Júlia e João.
Júlia é filha de um conde que, na tal noite de São João, seduz o mordomo João, noivo da cozinheira Cristina. João e Júlia entram num jogo perigoso e nada inocente, com consequências imprevisíveis e que põe em foco as diferenças sociais e o papel homem / mulher.
Vicente Wallenstein (João) e Helena Caldeira (Júlia) são dois excelentes interpretes, cheios de energia e intensidade. Somos transportados sem esforço para as cenas que estiveram na imaginação do dramaturgo sueco.
Num terceiro momento, entra em cena a Cristina do presente, numa visita inesperada. Nessa visita, desconfortável para todos, confronta João e Júlia com o passado e com o que a sua vida se tornou. No ponto alto desse confronto, Tiago Rodrigues põe em prática um jogo de diálogos cruzados e de vai-vem entre os actores mais velhos e os mais novos, muito bem conseguido.
Todo o elenco está num excelente nível, mas volto a destacar os jovens Vicente Wallenstein e Helena Caldeira.
Tanto o texto original como o novo texto são muito bem trabalhados, o que produz um ritmo fluido, sem quebras.
A cenografia adapta-se às duas épocas, tal como a música.
Tiago Rodrigues, neste novo trabalho, revisita um texto marcante do teatro internacional, e fá-lo com mestria.
Um outro fim para a menina Júlia, de Tiago Rodrigues
1 – 24 março 2019
Teatro Nacional D Maria II
Lisboa
de Tiago Rodrigues
encenação, espaço cénico e figurinos Tiago Rodrigues
a partir de August Strindberg (tradução de Augusto Sobral)*
com Helena Caldeira, Inês Dias, Lúcia Maria, Manuel Coelho, Paula Mora, Vicente Wallenstein
desenho de luz João de Almeida
assistência de encenação Teresa Coutinho
estagiários em assistência de encenação Ghita Serraj, Marion Stenton, Rocco Ancarolla
produção TNDM II