“Nenhum homem é uma ilha isolada” – John Donne

Da mesma forma cada um de nós é, tal qual uma máquina industrial, composto por um sem fim de parâmetros, porcas, parafusos, engrenagens. E, no entanto, continuamos a separar-nos e a dividir-nos, internamente, como se fosse necessário catalogar cada parte em separado compreender a relação entre elas.

Alguns dos aspetos menos visíveis varremos para debaixo dessa máscara, mais real do que imaginária, simulando que está tudo bem. Somos seres mecânicos, funcionais. E os assuntos relacionados com a nossa Sexualidade, com a nossa Saúde Mental são continuamente negligenciados.

“Todas as Coisas Maravilhosas” é uma peça criada por Duncan McMillan sobre a depressão e o suicídio: uma forma de trazer para a esfera pública um dos assuntos mais delicados da sociedade moderna.

Em Portugal, Ivo Canelas encarna o narrador em duas horas vertiginosas de monólogo. A história é simples: uma criança tenta mostrar à sua mãe depressiva todas as coisas maravilhosas pelas quais vale a pena viver. Encarnamos, cada um, aquela criança de 7 anos a ver o seu animal de estimação morrer mas também encarnamos a simplicidade de dar valor a cada uma das pequenas coisas:

  1. Gelados
  2. Guerras de Água

Durante as aproximadamente duas horas de peça mantemos a atenção acompanhando o crescimento dessa criança a homem adulto.  A passagem à adolescência e a revolta. Ser adulto e não reconhecer as próprias mazelas daquela dor latente. A forma atrevida como o texto é adaptado para esta pandemia traz-nos também momentos de riso imperdíveis – haverá suficiente álcool (pelo menos gel) à nossa disposição.

Todos nós já perdemos alguém para a depressão e para o suicídio. Enquanto escrevo estas linhas passam por mim todos os rostos, todos os abraços dos meus: o M., a S., a I., o G. A culpa é sempre o primeiro sentimento a vir: “Onde estive eu?”; “O que poderia ter feito?”

Mas o texto é claro nisso – é difícil colocar estes óculos de lentes coloridas nos olhos de quem não consegue ver sequer a preto e branco. E o que podemos fazer? Estar atentos, transformar essa culpa do passado numa ferramenta para o futuro e olhar para quem nos rodeia. Num ano como este, nenhum de nós pode dizer à partida que sabe que género de pessoa será naquela outra ponta do arco-íris que tanto teimámos em pintar há uns meses. Por isso, resta-nos tentar olhar para lá das máscaras e usar da melhor forma as redes sociais, as comunicações para estar mais perto de todos quantos passam nas nossas vidas.

E fazer a nossa lista das coisas maravilhosas:

  1. Cheiro a terra molhada
  2. Entrar numa cama com lençóis lavados e com muitas mantas depois de andar à chuva e tomar um banho
  3. Abraçar amigos que não vemos há 15 anos e perceber que parece que nos despedimos ontem
  4. Fazer rir
  5. Beber uma caneca de cerveja e comer batatas fritas com molho de alho à sexta-feira depois de sair do trabalho
  6. Escrever cartas
Categorias: Teatro

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