Encontramos a “Festa do Cinema Italiano” na sua 12ª edição e de muito boa saúde.
Com pouco tempo livre opto por um filme que não é somente baseado numa história veridica mas, como o ator Alessandro Borghi diz durante a sua apresentação, É a história verídica – a história de um toxicodependente, Stefano Cucchi, preso por posse de drogas leves. Até aqui parece apenas uma história como tantas outras – culpado! Mas porque ficou Stefano, entre tantos outros, famoso em 2009? Porque no seguimento da sua prisão foi brutalmente espancado pelos Carabinieri que o detiveram e, passados 7 dias de incúria acaba por morrer no que parece uma mera repetição da história de Pôncio Pilatos – todos os que possuíam responsabilidade no caso daí lavaram as suas mãos.
O filme é simples e pouco pretencioso e tem no Alessandro um poderoso aliado – a forma como o ator se despe de si e veste a pele de Stefano é impressionante: não só na vertente física mas também no timbre e no sotaque que nos apresenta.
A mensagem, essa sim, fez-me ter vontade de escrever. A história decorre em Roma e todo o filme nos é dado na perspetiva que os jornais não nos deram em 2009. O filme mostra-nos o poder do conceito de grupo e o que a comunidade pode (ou não) fazer quando se sente como tal.
O medo e o choque podem de facto silenciar as vítimas mas a apatia, a negligência de quem representa o Estado, o que tem escrito pelas paredes das suas casas de justiça que “Os Homens são todos iguais” ou que “A Justiça é cega” é gritante.
A empatia criada com a personagem (e consequentemente com a figura real do Stefano e com o movimento que a sua família criou) deixa-nos primeiramente absortos e como que entupidos por uma raiva, por uma falta de fé (ou até de respeito) pelas forças que juram proteger-nos. Mas a mensagem é mais limpida, é mais vasta – a mensagem de que todos merecemos e temos direito à Justiça; que o poder não pode corromper, que a Justiça pode demorar mas que não deve tardar (coincidência ou não, o caso do Stefano foi reaberto e um dos carabinieri envolvidos na agressão, ainda que 10 anos depois, apresentou-se para prestar declarações um par de semanas depois do filme sair).
Naquele dia não morreu apenas o Stefano, o toxicodependente, o “outcast”. Morreu um filho, um irmão, um tio, um amigo. Naquele dia (e nos sete que o antecederam) morreu um pouco (porque todos os dias morre nestas e noutras situações) a Democracia Italiana (como morre a Portuguesa com algumas das afrontas que temos lido e ouvido nos últimos tempos).
Mas hoje em Lisboa e desde 2018, altura em que o filme foi produzido vimos o verdadeiro poder da caixinha mágica: a que deve ser usada para entretenimento mas também para criar e gerar debate; para denunciar abusos de poder mas principalmente para reunir uma comunidade pensante, para dar as “armas” com as quais as injustiças podem ser combatidas.
Que esta Festa do Cinema Italiano continue de boa saúde e continue a apresentar o que de bom se faz naquele que é o meu segundo país.
Sulla mia pelle
Alessio Cremonini, 2018
Com Alessandro Borghi, Jasmine Trinca, Max Tortora, Milvia Marigliano
(Disponível no Netflix)