Ivan Turgueniev retrata no seu livro “Pais e Filhos” a cíclica batalha geracional que começa primeiramente dentro de cada casa e se alastra à sociedade. Existe algures, ali na adolescência, uma altura em que com recurso ao espírito crítico ou simplesmente por obstinação todos começamos a contrariar os ensinamentos familiares ou as normas vigentes na sociedade que nos acolhe e representa.
Neste livro, esta cisão geracional revela-se através da defesa do Niilismo por parte da personagem Bazarov. Este entra na família Kirsánov pela mão de Arkádi numa visita frugal mas ao mesmo tempo capaz de corroer os alicerces tradicionalistas, ortodoxos e instituídos da família como representação da sociedade russa daquela época.
Em 2021, Pedro Penim adapta a obra com a capacidade para a transpôr para uma sociedade do Séc XXI, privilegiada dentro da sua diferença mas ainda assim longe de ser aceite universalmente. A história mantém o vínculo ao Niilismo mas adaptando-o à realidade queer. Com variados apontamentos de humor e de pertinente ironia acompanhamos o percurso da camarada, interpretado por João Abreu, desde a “contaminação teórica” de Arkasha até à desconstrução da própria realidade de Bazarov.
Num primeiro momento somos apresentados à família Kirsánov – conhecemos as suas lutas, os seus dramas, a ansiedade do reencontro com Arkasha. A família reunida recebe-o, saúda a sua companheira de luta e, com o passar do tempo, acompanhamos um mal estar comum: o que se sente quando nos desafiam nas nossas certezas. No segundo momento, acompanhamos a camarada à sua origem, à sua casa e compreendemos as nuances sentimentais de quem defende que só com a destruição total é que se pode criar algo… mas que vão ter que ser os outros, os da próxima geração, a construir.
Todas as personagens acabam por passar uma mensagem poderosa, todas nos mostram diferentes rostos de uma mesma sociedade: os privilegiados de entre os diferentes, os acomodados, os pais, os filhos, as surrogate mothers, os filhos que já nasceram, os que ainda vão nascer, os que se reconhecem agora pais e se reveem nos filhos.
O cenário, minucioso e muito bem desenhado é irrepreensível do início ao fim, o guarda-roupa que inicia simples vai crescendo em exaltação com o avanço da peça e cresce na medida certa.
O texto envolve-nos – desde o início é tão natural que acreditamos que aquela é a história do Pedro, como é a história do Hugo mas é afinal a história de muitos casais a quem paternidade é proibida.
As duas horas passam sem repararmos, não fosse a pausa para mudança de cenários e nem teria dado pelo tempo passar.
Foi a minha rentrée na temporada 2021/2022 e não poderia ter sido melhor – mas esta é a minha opinião e pode ser só porque sou Gémeos!
Pais & Filhos
De Pedro Penim. A partir de Ivan Turgueniev
24 setembro – 3 outubro
São Luiz Teatro Municipal
Lisboa