Sofia Coppola habituou-nos a um cinema aparentemente pop, mas inquietante na forma como explora as fissuras das relações humanas.
A banda sonora costuma ser de luxo para qualquer apreciador de rock:’The Strokes’ em ‘Somewhere’ e ‘Marie Antoinette’ ; ‘The Jesus and Mary Chain’ em ‘Lost in Translation’ ou ‘Air’ em ‘Virgins Suicides’ .
A dimensão solitária dos universos de privilégio da classe burguesa são sempre os espaços onde se movem as personagens da realizadora. Talvez por serem os que melhor conhece, mas isso pouco importa.. Seja Marie Antoinette, a rainha do século XVIII entediada a afundar a vida em champanhe, bolos e vestidos; seja a personagem principal de ‘Somewhere’, um ator aborrecido enfiado em quartos de hotel ou em ‘Bling Ring’ ,l- em que a casa da multimilionária Paris Hilton é um dos cenários de uma história baseada em factos reais – em que um grupo de jovens se dedica a pilhar casas de famosos, certo é que Coppola explora o vazio de que se faz a opulência.
Mas Sofia Coppola, que escolhe as grandes cidades, gigantes, esmagadoras, onde as pessoas se confundem com a multidão como se a multidão fosse um só corpo e, de repente, o indivíduo fosse ninguém – Tóquio (Lost in Translation) e Nova Iorque (On the rocks) – desta vez pareceu perder-se no fogo fátuo do luxo. Repete Bill Murray naqueles dois filmes. Bill Murray igual a si mesmo em Tóquio e Nova Iorque. Bill Murray ser Bill Murray. Ainda assim, havia uma dose de mistério, uma subtileza, uma aura em Lost in Translation que em On the rocks se perdeu. Mesmo em Bill Murray havia um potencial de mini surpresa, uma expectativa, um desafiantes franzir de sobrolho novo que neste novo filme não aconteceu. E não é à toa que o jazz percorre as ruas vazias de Nova Iorque, como se de um filme de Woody Allen se tratasse, mas sem a mesma qualidade no diálogo e na ironia e podemos apenas antever uma ponta de solidão impactante. Em lugar algum há sequer um rasgo de rock, uma ponta de brilho ou entusiasmo. A personagem, uma escritora que nem percebemos que raio escreve, está entediada no casamento e a verdade é que nem o pai lhe devolve o brilho que um marido centrado nos negócios, nos seus colegas de trabalho e talvez no seu ego lhe arrancou. A suposta traição do marido é o fio condutor do filme, mas não releva assim tanto. A forma como o pai lida com a filha numa espécie de cliché de pai machista, rico e privilegiado que compra viagens para o México para perseguir o marido, que circula com um carro digno de desfile de carros antigos, esbanja cortesia às funcionárias de restaurantes caros, é a tentativa de quebrar esse tédio. Mas o tédio não desaparece. ‘Costumavas ser engraçada’, diz o pai. Pois.
Uma crise de meia idade, filhas tranquilas e bonitinhas que podem ficar com uma baby sitter a qualquer hora, um marido a oferecer um robô de cozinha de prenda de aniversário e temos argumento. Temos? No final há uma espécie de redenção, mas a verdade é que em momento algum desejamos estar naquele barco sem grandes afetos, de emoções mornas, naquela maré de solidão interrompida por um jantar de compensação de ausências quando há uma vaga na agenda ocupada. E é aí que o pai, talvez o mais solitário de todos, parte para deixar a filha nas suas aventuras. Como se acreditassemos que as aventuras ali pudessem acontecer. E o relógio do pai, ternamente oferecido, é substituído por um tão brilhante quanto igual àquele mundo Cartier onde habitam… Coppola tem esse dom. De nos mostrar o vazio por detrás de uma linha aparentemente linear, um vazio feito das pequenas coisas que constroem ou d desmancham os afetos. Nem que seja aprender a assobiar. Mas se em Lost in Translation se constrói uma ponte de empatia com os nossos espaços de solidão convertidos em partilha, aqui afundamos no tédio sem qualquer resgate de esperança efetivo. E talvez seja essa a ideia. Mas talvez o espectador precise sempre de um pouco mais de afeto do que parece existir naquele mundo de plástico que nos retratou. Uma burguesia ocupada a inventar problemas e a tentar existir para lá da ideia de perfeição, nem que seja aparente, que tem tanto de errada quanto de vazia. Sim, talvez este filme seja mais real do que gostaríamos e esperaríamos. Talvez precisasse de um rock no final que fosse.
Podia terminar com a Where is my mind? dos Pixies. A música já tinha resgatado o Fight Club de uma tentativa de retrato do capitalismo decadente a salvar por uma estratégia absurda de destruição, violência gratuita e morte. Mais facilmente podia salvar estas personagens do tédio. ‘On the rocks’. Sem rock.
‘Where is my mind?
With your feet on the air and your head on the ground
Try this trick and spin it, yeah’