Maria. A mãe.

O título remete-nos para a imagem bíblica da criança concebida sem pecado no seio da sua Virgem mãe. Passam-me pelos olhos as variadas imagens da catequese de todos os momentos que Maria acompanhava Jesus… Talvez não de todos, mas daqueles que secretamente ficaram marcados: transformar água em vinho e o caminho para o Calvário.

Em seguida penso nas mães da minha vida – as Marias, as minhas. As restantes Marias, Anas, Marílias. As dores. Os pesares.

E é com essa carga já sentimental que começamos a seguir a história desta outra Maria, também mãe. Em contradição com essa imagem que transportamos inicialmente começamos numa festa de aldeia, com a típica música que este ano não soou nos inúmeros camiões-palco das festas destas terras.

Rapidamente somos levados para os porões do pensamento e das angústias maternais. Maria (ou deverei dizer Custódia) mostra-nos as sombras que quase sempre toldam o pensamento feminino. Representa uma mulher de outros tempos: a mulher que se torna mãe e parece deixar de existir como ser sexual. A mulher que continua a vestir o seu vestido da lua-de-mel como lembrança de quando se sentia desejada. E vamos sempre entrevendo as diversas possibilidades futuras (ou passadas) do que ainda está para lhe acontecer.

Como homenagem às mães que perdem os seus para o mundo vemos a força motriz da casa a perder cada um dos mecanismos que fazem a mó girar.

Num cenário simples mas bem conseguido somos transportados para diferentes estados de alma e realidades com recurso ao som e ao jogo de luzes bem como à entrada e saída dos atores pelas duas entradas possíveis de palco.

Sentimos também a incisividade da mulher angustiada que aponta na outra, a única que tem a seu lado, os defeitos que considera como falhas femininas: “Nem me deste um neto!”.

E no fim Maria, que se tornou mãe e deixou de ser qualquer outro substantivo torna-se Maria, a só. Agonizando num futuro que é presente porque no passado não deixou raízes suficientes.

Devo salientar a crueza do texto, um argumento forte, pesado, intrincado que consegue ir buscar várias marias ao meu pensamento. Que me deixa a pensar, com uma dor no peito, com um murro no estômago. Saliento ainda dois pontos que deram alguma relevância à encenação: o uso do oratório da Sagrada Família que durante os primeiros momentos não está sujeito aos nossos olhares indiscretos e que, por isso mesmo, mais aguça a curiosidade e o momento em que Maria abraça o seu filho reproduzindo uma Pietà bem Portuguesa mas com a dor qualquer mãe, independentemente da nacionalidade, pode sentir ao perder um filho.

Maria, a mãe. De Elmano Sancho
Teatro da Trindade
12 novembro 2020 – 10 janeiro 2021

Entrevista de Custódia Gallego ao Coffeepaste

Categorias: Teatro

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