Estamos com os pés no palco da Sala Garrett. No escuro, Doreen, diante de nós, recebe-nos em bom português e oferece-nos uma mesa farta de vinho e aperitivos vários. Esfuma-se o inalcançável, esvai-se a ficção e tornamo-nos, de repente, (ilustres) testemunhas de uma humilde última-ceia, de uma partilha ou do simples legado de uma mensagem intemporal.
Talvez sem nos apercebermos da responsabilidade que carregamos aos nossos pés, uma pequena multidão reúne-se alegremente à volta dos acepipes não para comemorar o fim, mas para o devorar sem a humildade ou capacidade de compreender o peso de um copo de vinho.
Sento-me com o copo na mão – meio-vazio para encher de significados mais tarde – e folheio a mais bela carta de amor que se escreveu. André Gorz, personificado por David Geselson, criador do espectáculo, está lá ao fundo, do outro lado do espaço, a explicar porque nos convidou, quem ele é e porque Gerard se decidiu chamar André Gorz. Ao mesmo tempo, Laure Mathis, que é Doreen, dirige-se a nós, aparentemente feliz por nos ter ali.
Olho-os de frente e com expectativa. Espero por eles que, capazes do impossível e do inimaginável, tratam de transmitir a aparente simplicidade de uma vida a dois. Nós somos (apenas) o terceiro corpo, espectador activo mas nem por isso interveniente. Estamos prontos – pensamos nós – para aquela que será a última hora de um desaparecimento.
O esforço dos actores não se mede nos grandes gestos mas nas subtilezas que nos arrancam um sorriso ou arrepiam sem sabermos porquê. Neste palco, trabalha-se o impossível, o incomensurável e a liberdade de ter de colocar um fim ao sofrimento e à alegria em simultâneo. Eles recebem-nos em francês, em português e em inglês (quando nem são precisas legendas) porque sabem que, assim, conseguem entrar também eles nas nossas casas e libertar-se das amarras que nos prendem constantemente.
[Quem diz que é ao cinema que cabe a arte de não haver impossíveis está bem enganado.]
No mundo criado por David Geselson, somos transportados para uma outra época, talvez intemporal, onde a radiografia de um amor vivido ganha forma. A luz leva-nos à tensão ou a uma contida euforia em que nos apetece fugir e ao mesmo tempo testemunhar a oportunidade única de ver, diante de nós, uma obra-prima terminar. Batemos o pé ao som da última dança, física ou multimédia, à medida que celebramos os amores possíveis. A música nunca está muito alto, embora Gerard se preocupe com isso. Há silêncios que soam mais alto que todas as vozes em coro, que nos deixam incomodados e surdos.
Todos sabemos à partida o fim da história. Desconhecemos, contudo, este silêncio iluminado que nos ensurdece. E agora, como aplaudir algo tão arrebatador, desafiante e forte? Respiro fundo e levanto-me. Aplaudo energicamente com a certeza que saio diferente, com aquela lágrima a teimar aparecer e com a notória dificuldade de descrever o vivido. Com vontade de amar infinitamente o que há para vir.
Tudo o resto são danças movidas a silêncios que vão chegar ou a pequenas rolas que se hão-de libertar. E é tudo.
Doreen, de David Geselson
13 – 17 fev 2019
Teatro Nacional D Maria II
Lisboa
com David Geselson e Laure Mathis
cenografia Lisa Navarro
figurinos Magali Murbach
desenho de luz Jérémie Papin
desenho de som Loïc Le Roux
vídeo Jérémie Scheidler
colaboração artística Elios Nöel, Jean-Pierro Baro e Laure Mathis
Há em todas nós, mulheres, um orgulho muito pessoal quando nos tornamos mães e, passadas as dores inerentes ao acto, orgulho esse que nos faz percorrer com os olhos, as mãos e todos os sentidos exacerbados, o pequeno corpo o nosso pequeno rebento, no sentido primeiro de lhe descobrirmos algum pequenino sinal, alguma parecença familiar, com duas ideias fixas na cabeça: de qustamos para sempre ligadas aquele ser, que apenas queremos seja feliz e, o nosso amor por ele é completamente incondicional…
Os nossos filhos bebem os nossos princípios e valores, a educação que consideramos e, as experiências que lhes proporcionamos e, de que gostamos também…
Passada a infância a pouco e pouco fazem as suas escolhas na vida e, para a vida…
Desde cedo te revelas te uma criança muito feliz no mundo dos palcos, André!
Trabalhas muito para passares do sonho à realidade e observar te, cá de longe a percorrer esse caminho é, como sabes, quase um orgulho de mãe, não sendo senão uma amiga para a vida!
Com os teus 24 anos apenas, pelo que fazes, observas, anotas e reflectes, só te posso desejar que dês muito mais mundo a este teu e nosso mundo, mesmo que o faças ficcional.
Gostei e vou continuar sempre a “espreitar-te”!