No dia em que assisti a Corbeaux publiquei uma foto nas redes sociais em que a legenda era “Da força”. Em duas palavras, é um resumo que em meu entender se adequa a este espectáculo de Bouchra Ouizguen, estreado na Bienal de Marraquexe de 2014, e que agora teve a primeira apresentação em Portugal.
Levanta-se a lona de um pavilhão numa das praças dentro do Castelo de São Jorge e surgem, em formação compacta, 21 mulheres vestidas de preto com um lenço branco à cabeça. Avançam unidas e sem pressa até ao centro, onde param por largos segundos. Depois, uma a uma, vão saindo do grupo e encontrando a sua posição no espaço, por vezes no meio do público (talvez não propositadamente, mas por alguma indisciplina deste).
Inicia-se então uma sucessão de gritos de várias alturas e texturas, de forma cadenciada, e coordenada com movimentos rítmicos das performers. É como que um mantra que se repete e que leva as intérpretes e o público a uma espécie de transe. Foi fascinante, tanto deixar-me levar pela massa sonora, como em momentos me ir apercebendo das vozes individuais e dos padrões dentro do padrão, das texturas dentro da textura.
Depois de mais de 20 minutos de transe faz-se silêncio, a que se segue um momento de descompressão e autêntica festa. As artistas e o público continuam a sua comunhão, desta feita com gritos alegres e palmas.
A um conjunto de intérpretes que já trabalham com a coreógrafa juntaram-se várias participantes locais, o que aumenta o sentimento de partilha.
Este é pois um espectáculo carregado de história e tradição, a que se junta uma força feminina ímpar.
A criadora afirma que, mais do que um espectáculo, se trata de “uma escultura sonora, bruta e urgente, que ressoa infinitamente”. E, de facto, continua e continuará a ressoar em mim por muito tempo.
Corbeaux, de Bouchra Ouizguen
(Alkantara Festival)
23 a 25 de maio 2018
Castelo de S Jorge
Lisboa
Direção artística Bouchra Ouizguen
Interpretação Kabboura Aït Ben Hmad, Fatima El Hanna, Halima Sahmoud, Fatna Ibn El Khatyb, Khadija Amrhar, Zahra Bensllam, Malika Soukri, Hasnae El Ouarga, Milouda El Maataoui e participantes locais
Digressão e administração Mylène Gaillon
Produção Compagnie O
Coprodução Services de Coopération et d’Action Culturelle de l’Ambassade de France à Rabat
Apoio Institut Français de Marrakesh