É noite. Olho para cima e vejo um céu estrelado, aqui e ali algumas nuvens. Preparo-me para assistir a “Sonho” de August Strindberg encenado pelo António Pires.  Chega o mês de Agosto e, com ele, a habitual ocupação das Ruínas do Carmo por mais um trabalho do Teatro do Bairro.

O cenário representa várias janelas, portas, alçapões e escadas. Neles aparece a filha de Indra, Inês, interpelando o pai sobre o que é aquilo lá em baixo, na Terra. O que sentem aquelas pessoas? De que forma se relacionam? E as personagens começam a passar-nos pelos olhos – vão desfolhando páginas de um livro onírico; utópico talvez. Os sonhos que cada uma delas tem, a forma como outros se cruzam nos seus caminhos e, consequentemente, a forma como as nossas vivências vão alterando esses sonhos ou até como, quando realizados perdem parte da nuvem de beleza que os envolve.

Vemos a forma como os saberes académicos se entrecruzam compreendendo também, com alguns apontamentos sagazes, as lutas de interesses e os seus efeitos em cada um de nós.

Inês, depois de uma intensa investigação, compreende aquilo que o adágio popular apresenta: “A galinha da vizinha é sempre melhor que a minha”; visto de fora, tudo parece belo, um sonho. Mas também a rosa que é uma das flores mais amadas possui os seus espinhos e a vida também teima em nos magoar por mais sonhada que seja a ocasião. Pela mão do António Pires, com a ajuda de um elenco firme, sentimos que o resultado de um caminho nunca traz só beleza e por vezes nem a traz. Sentimos que o belo não é eterno, que a justiça não é transversal. Que o mundo não é equilibrado. Que andamos nas nuvens para ter saudades da lama, que saímos do sujo, como as flores que dele nascem. Que o sol não brilha sempre. Que choramos, sim, choramos. “Porque os vidros dos olhos têm de ser lavados de vez em quando para se ver melhor”. Compreendemos que somos todos peças de uma mesma engrenagem e que só em comunidade, querendo o bem comum, conseguiremos concretizar os sonhos mais bonitos.  Não é fácil ser um ser humano. “Que mundo estranho!”

“Sonho”, de August Strindberg
De 28 de Julho a 21 de Agosto
Museu Arqueológico do Carmo
Lisboa

Texto AUGUST STRINDBERG Título original ETT DROMSPEL (1901) Tradução CRISTINA REIS, LUÍS MIGUEL CINTRA, e MELANIE MEDERLIND Encenação ANTÓNIO PIRES Com ALEXANDRA SARGENTO, CAROLINA CAMPANELA, CAROLINA SERRÃO, CASSIANO CARNEIRO, CATARINA VICENTE, FRANCISCO VISTAS, HUGO MESTRE AMARO, JAIME BAETA, JOÃO BARBOSA, JOÃO SÁ NOGUEIRA, LUÍS LIMA BARRETO e MÁRIO SOUSA Voz CLÁUDIO DA SILVA Cenografia JOÃO MENDES RIBEIRO Figurinos LUÍS MESQUITA Música MIGUEL SÁ PESSOA Luz JOÃO BOTELHO Iluminação RUI SEABRA Desenho de Som PAULO ABELHO Movimento PAULA CARETO Assistente de Encenação MIGUEL BARTOLOMEU Caracterização IVAN COLETTI Construção Cenário FÁBIO PAULO Costureira ROSÁRIO BALBI Assistente de figurinos CATARINA VICENTE, EMA FALCÃO Assistente de Iluminação ZECA CAMACHO Assistente de som ANTÓNIO OLIVEIRA Direcção de Cena JOÃO VELOSO e MIGUEL BARTOLOMEU Legendagem AFONSO LUZ Ilustração JOANA VILLAVERDE Fotografia de Cena MIGUEL BARTOLOMEU Spot Tv TIAGO INUIT Produção Executiva IVAN COLLETI Administração de Produção ANA BORDALO Comunicação MARIA JOÃO MOURA Produtor ALEXANDRE OLIVEIRA Produção AR DE FILMES / TEATRO DO BAIRRO

Agradecimentos: Museu Arqueológico do Carmo, EDP, José Arnaut, Célia Pereira, Fernando Rebelo

Foto de Miguel Bartolomeu

Categorias: Teatro

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