Serão poucos os que não conhecem a história de ‘Romeu e Julieta’, do célebre texto dramático de Shakespeare, tantas vezes representado e adaptado. Inovar ou surpreender torna-se, assim, uma tarefa inglória. Talvez por isso e a menos que se faça uma adaptação atualista de um texto do século XVI, o peso das palavras, marcadas por uma outra época e um outro contexto, tem que ser minorado por uma interpretação consistente e limpa ou o distanciamento entre atores e público é inevitável. Convém não esquecer que previsibilidade dos acontecimentos morde os calcanhares da curiosidade em fuga o tempo todo e só uma despudorada e consistente simplicidade nos pode salvar do tédio…
Não me vou deter na reconhecida experiência do encenador João Mota, que formou várias gerações de atores, mas não haverá grandes dúvidas que se este espetáculo falha, e falha na ligação com o público, tal se deve, sobretudo, a alguns erros de casting. Erros tantos mais flagrantes no contraste com atores da envergadura de Carlos Paulo, Manuela Couto ou Guilherme Filipe que nos permitiram alguns dos momentos mais marcantes do espetáculo.
Por muito entusiasmo que tenha gerado a ama de Julieta (Manuela Couto) ou até o amigo de Romeu, Mercúcio (Hugo Franco) ainda que, talvez, pelo registo satírico, burlesco, e até inverosímil, rocambolesco, mas que é também a marca do dramaturgo, a verdade é que importa a centralidade da história de amor. Apesar do sofrimento provocado por uma relação tão condicionada pela circunstâncias, em que as duas famílias Montéquio e Capuleto sobreponhem o seu ódio a qualquer expectativa de felicidade de uma união tão desejada certo é que para tal seja sentido pelo público é preciso verdade na arte do fingimento. E faltou.
Uma Julieta (Bárbara Branco) dececionante, de uma artificialidade integral, como que vinda de um teatro do passado onde o exagero chega a ser tortuoso, condenou o espetáculo. E quando, num dos momentos mais trágicos da peça, alguém solta uma gargalhada, em resposta ao ridículo da representação da atriz somos atingidos pelo embaraço.
Todos, exceto os cínicos, fatalmente, torceriam por aquele amor condenado…Fosse ele um pouco real…
Apesar de um Romeu (José Condessa) bastante mais credível que a ‘amada’ Julieta (outrora existiria uma tal de Rosalina, paixoneta platónica e ocasional, completamente destronada do altar de barro amoroso de Romeu) o aparatoso vazio emocional da contracena deixou um travo de desencanto.
Quanto ao mais fica a nota de a música original ser do José Mário Branco, de alguns momentos cénicos como da entrada do leito de morte de Julieta e Romeu e alguns bons momentos de encenação e representação. Parece pouco para Shakespeare. E a direção artística de Diogo Infante poderia, mas não fez milagres.
De resto, fica a certeza de que o amor, em cena, dispensa o artifício. Por mais exacerbadas que sejam as palavras é no pormenor, na subtileza, na dimensão certa da demonstração dos afetos que reside a cumplicidade e a empatia que traz o público para o palco. Lamentavelmente no que, estritamente, à história de amor de Romeu e Julieta diz respeito, isso não aconteceu. Em cena no Teatro da Trindade até 9 de junho. Para apaixonados equivocados.