O gesto e a palavra fundem-se. Ou são independentes um do outro? Não sei se Sofia Dias e Vítor Roriz dão resposta a esta inquietação, mas certamente procuram-na.
Os momentos iniciais da performance lançam a ponte para o que se seguirá. Sofia Dias solta sons cortados, como se fosse um rádio com má recepção, ou então um download que chega fragmentado. Aos poucos o puzzle vai-se compondo e chegamos à canção Philadelphia, de Neil Young. Sofia tenta o som, e depois consegue-o.
Começa então a componente de movimento. Rápido, cortado, mas ao mesmo tempo, e paradoxalmente, fluido.
Vítor Roriz observa, quase imóvel. A certa altura junta-se ao movimento, primeiro tentativo, quem sabe errático, e depois com precisão e eficácia. Vítor tenta o movimento, e depois consegue-o.
Sofia e Vitor trabalham voz e movimento há já alguns anos. Ambas as componentes são trabalhadas exaustivamente e ao pormenor. E isso transparece nas suas performances.
O texto, ora pausado, ora frenético, remete-nos para a vida e para as relações a dois, levando-nos a reflectir. O movimento, também ora pausado ora frenético, prende-nos a atenção e circula pelo espaço cénico.
Este é, pois, um regresso auspicioso da dupla que, a meu ver, e respondendo à questão inicial, fundem gesto e palavra. Poderiam existir um sem o outro? Provavelmente. Mas não era a mesma coisa.
O que não acontece, de Sofia Dias e Vítor Roriz
(Alkantara Festival)
31 maio – 2 junho 2018
Teatro Nacional D Maria II
Lisboa
Foto: Filipe Ferreira