Não sabem o que é viver na margem? Não se preocupem. Eles explicam.
A batida rápida e contagiante da música (de Marco Castro e Igor Domingues) que se ouve, desde que entramos na sala, marca o ritmo do espetáculo. Marca a jovialidade, a inconsequência, a honestidade e a força do que se vai passar. E passa-se tanta coisa.
Este espetáculo, que parte da obra de Jorge Amado Os Capitães da Areia, deambula constantemente entre a ficção e a realidade. Confundem-se as pessoas e as personagens. Tão depressa nos contam excertos da obra do autor brasileiro, como ouvimos relatos na primeira pessoa de jovens institucionalizados.
Contam-nos histórias. Contam-nos as suas histórias e não é só com palavras, é também com o corpo; é sobretudo com o corpo.
Aqueles doze corpos em cena fazem-nos viajar e regressar, através da coreografia de Victor Hugo Pontes. Viajamos até ao Brasil de 1937 e voltamos para Portugal de 2018. Viajamos para a nossa infância e regressamos ao presente.
As palavras, escritas por Joana Craveiro e ditas por aquelas doze pessoas, num exercício de verbatim impressionante, fazem-nos refletir sobre o conceito de casa, fazem-nos recordar: a nossa cama, os nossos pais, o nosso primeiro amor, os nossos medos, o dia mais feliz da nossa vida e também o mais triste.
Este espetáculo propõe procurar quem seriam os Capitães da Areia de hoje, isto é, quem seriam os meninos da rua de hoje, em Portugal, se não tivessem sido acolhidos por instituições. Quem seriam os “à margem”. Neste espetáculo a margem é a plateia e o palco é o centro. Quem nos dera poder saltar da margem e ir para o centro dançar com eles.
Eu tive a oportunidade de estar presente numa sessão de escolas e de observar um fenómeno raro: teatro a ser feito por jovens e para jovens, onde se abordam temas particularmente sensíveis entre os jovens: a criminalidade; a sexualidade; o suicídio; a solidão e o consumo de droga, como alguns exemplos. Foi impressionante sentir na plateia os risos nervosos; as cabeças a abanar ao ritmo da música; uma ou outra lágrima, os comentários sussurrados, os professores espantados com as reações dos seus alunos, sempre atentos, sempre dentro do que se passava ali. E passou-se tanta coisa.
Perceberam o que é viver na margem? É bom que tenham percebido. É que eles não vão explicar outra vez.
Margem, de Victor Hugo Pontes
27 janeiro – 1 fevereiro 2018
Centro Cultural de Belém
Lisboa
Direção Victor Hugo Pontes
Texto Joana Craveiro
Cenografia F. Ribeiro
Música Marco Castro e Igor Domingues (Throes + The Shine)
Direção técnica e desenho de luz Wilma Moutinho
Interpretação Alexandre Tavares, André Cabral, David S. Costa, Hugo Fidalgo, João Nunes Monteiro, José Santos, Magnum Soares, Marco Olival, Marco Tavares, Nara Gonçalves, Rui Pedro Silva e Vicente Campos
Estagiários Beatriz Baptista (Ginásio Escola de Dança) e João Filipe Abreu (FCSH)
Consultoria artística Madalena Alfaia
Direção de Produção Joana Ventura
Foto Paulo Pimenta