É fácil precisar o momento em que o público dos Lamb se transfigurou: terá sido em 2001, com um êxito inesperado — Gabriel — que escorria pelas rádios como mel. Foi aí que se tornaram num fenómeno de popularidade em Portugal, recrutando novos fãs e esgotando salas. Mas para alguns destes fãs os Lamb não terão passado de um one-hit wonder — dois anos depois, a confiança de uma promotora na popularidade da banda daria lugar a um concerto no Pavilhão Atlântico (hoje Altice Arena), praticamente vazio e onde se perdeu a intimidade que tornava os concertos do duo de Manchester tão especiais.

Mas, antes de tudo isto, os Lamb já eram um fenómeno de culto em Portugal. O romance nasce logo no (mítico) primeiro concerto que deram por cá, na Aula Magna, em Lisboa. No ano seguinte apresentam-se no festival Paredes de Coura, num concerto que ficou marcado por um confronto entre Andy Barlow, uma das metades da banda, e um segurança que os queria retirar do palco — e que só ajudou a cimentar a relação com os fãs portugueses.

Terão sido, maioritariamente, estes fãs de longa data os que acorreram ao Coliseu dos Recreios na terça-feira (e que não chegaram para encher a sala), para o regresso da banda aos palcos nacionais, depois de uma ausência de seis anos. O mote desta digressão também terá sido um chamariz para os admiradores mais ferrenhos — celebravam-se os 21 anos do primeiro álbum, Lamb, e todos os temas foram tocados pela ordem do alinhamento do disco.

A primeira metade do concerto foi, assim, dominada pela mistura das influências drum ‘n’ bass e jazz de Lamb. E é precisamente nestas canções onde é mais evidente o conceito inicial da banda: a fusão entre a electrónica e o acústico, a tensão entre a fragilidade da voz de Lou Rhodes (com a sua herança do folk tradicional) e o músculo das batidas quebradas de Andy Barlow (saído da cena electrónica de Manchester) — tensão essa que seria, ao longo da história da banda, literal e o motivo para o hiato em 2004.

É notório que estes são dois universos tão distintos — em palco, Lou é a figura serena ao centro; Andy está visivelmente mais entusiasmado e instiga o público a cada oportunidade que tem. E nas primeiras músicas teme-se pela relação dos Lamb com o público: as reacções mais efusivas parecem ter de ser arrancadas a ferros, com Andy a pedir gritos e braços no ar. Mas a maré muda com Trans Fatty Acid. Quase todos os temas do disco de estreia tiveram direito a novos arranjos, mas foi este um dos mais radicais, numa versão menos negra e carregada com algum rock. E foi com Górecki que o público ficou finalmente rendido — um dos temas mais populares da banda (o Gabriel destes primeiro fãs?), a arrancar com a voz delicada de Lou e a progredir para um momento dançável com Andy na percursão.

Alguns temas de Lamb tiveram a sua estreia ao vivo nesta digressão — foi o caso de Zero (e Feela, no final desta primeira metade do concerto), dois dos temas mais intimistas e despidos do disco, com a voz de Lou a brilhar em ambos os momentos.

Nas quase duas horas de concerto, houve ainda tempo tempo para revisitar os outros álbuns do grupo (apenas 5, de 2011, ficou de fora). Fear of Fours foi representado por Little Things — o público já na mão da banda, a entoar a plenos pulmões o refrão, “we forget to live”, tal como nos tais primeiros concertos — e “Ear Parcel”, instrumental que tanto ganhou com o trompetista em palco. Couberam também três temas de Backspace Unwind, de 2014, e o novo single, Illumina — todos exemplos de pop electrónica que não envergonha, mas longe do arrojo e experimentalismo de outros tempos.

De regresso ao palco para o encore, era fácil adivinhar o que aí vinha. “Não podíamos não tocar esta”, diz Lou antes de começarem as notas de Gabriel. E se alguém lá estava pelo one-hit wonder, também não saiu defraudado.

14 novembro 2017
Coliseu dos Recreios
Lisboa

Categorias: Música

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