Deixei passar janeiro a correr. Entrei, adormecida, com todas aquelas resoluções de ano novo que teimamos em criar para não cumprir.

Resolução #1 – Ir mais vezes ao teatro!

Fui ao D. Maria II “À procura de Danton” e encontrei-o mais cabisbaixo do que esperaria ver um revolucionário. O texto é muito rico, os cenários interessantes, as luzes bem feitas e o trabalho por trás das personagens é rigoroso. Senti, ao procurar o Danton que encontrava também o Timão de Atenas que visitei no ano passado. Quantos de nós não somos também estes revolucionários de dicionário: prontos a tudo para resolver os problemas do mundo até que temos finalmente de agir e nos faltam as forças.

Uns dias depois lá nos encaminhámos para o São Luiz para assistir à mais recente criação da Escola de Mulheres: aqui vemos o declínio do poder, os dramas familiares, os direitos adquiridos, as meias verdades que não passam de profundas mentiras. Chegamos ao fim da peça “Sem Flores Nem Coroas” com a sensação de vazio de quem se apercebe que a vida não é mais do que o desfolhar de um malmequer e que, chegando ao fim, novas flores serão criadas.

No TBA começou também uma das atividades que encaro como fulcral no mundo artístico – o debate; a conversa; a leitura. Neste caso, as Práticas de Leitura têm como função isso mesmo – colocar um grupo de pessoas em redor de um tema que as faça pensar. Nesta primeira sessão o livro apresentado e debatido foi “DJidiu – A Herança do Ouvido” que resultou de uma iniciativa da AfroLis. Nesta sessão o desconforto invadiu-me imensas vezes pois não é todos os dias que compreendemos quão privilegiados somos num mundo tendencioso; pensei que, embora muitas vezes nos tentemos meter nos pés dos outros, raramente conseguimos sentir o que o outro sente e isto, sim, é motivo para tentar sempre compreender mais, aceitar mais, julgar menos. Espero pelas próximas sessões.

Para mim, a que foi a peça do mês: “Mário, a história de um bailarino no Estado Novo” – um texto inspirado na vida de Valentim de Barros e no que foi Lisboa durante a ditadura para qualquer pessoa que não se enquadrasse nas linhas milimetricamente traçadas do puritanismo de época. Um monólogo que não desiludiu – um texto vivo, vibrante, cheio de cores, sons e sabores que foi sublimemente interpretado pelo Flávio Gil.

Em seguida assisti a Professar no São Luiz – mais uma peça para me tirar um tapete debaixo dos pés. Uma peça sobre o que é a escola hoje em dia, um exercício participativo envolvendo vários professores (alguns no ativo, alguns reformados) e que tinha como objetivo salientar as dificuldades com que se deparam os professores, a falta de recursos, a desmotivação. Ainda que seja um mero exercício criativo o determinismo mostrado e a ausência de soluções apresentadas fez-me pensar o que andamos a fazer não com a escola mas com todos aqueles nossos pequenos monstrinhos que vão ser os motores da sociedade amanhã. Sabendo que a arte serve para espicaçar esta peça criou várias agulhas que me deixaram a pele em ferida.

Finalmente, por desafio de colegas de trabalho (no sítio em que trabalho tentamos ir a uma peça de 15 em 15 dias) fui assistir a “Chicago” – não sou uma pessoa que seja particularmente atraída por musicais e, como tal, ia de pé atrás. Uma banda ao vivo, uma adaptação inteligente das músicas originais, o José Raposo a encher o palco, a Soraia Tavares a fazer uma Velma incrível – mas o que me fascinou mais foi o desenho de luz – fez-me relembrar que, aplaudimos de pé os artistas que estão em palco mas que estes sem o som, sem a luz, sem a cenografia não tinham metade do sucesso.

E terminou janeiro; se estava demasiado adormecida quando ele chegou parece-me que o passei demasiado acordada. Com o que vi senti-me mais desconcertada, mais retirada da minha zona de conforto e é também por isto que acho que é tão importante a cultura nas nossas vidas: quanto mais vezes conseguirmos, através de histórias, músicas, textos apresentados colocar-nos no lugar do outro mais depressa o conseguimos também fazer no nosso dia-a-dia. Fevereiro chegou comigo acordada e viva – que se mantenha esse sentimento.

Categorias: Teatro

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