Escrever sobre a Festa do Avante! é para mim escrever parte da história da minha vida. Não me recordo a primeira vez que a visitei mas sempre a tomei como uma romaria familiar.
Depois chegou a altura de decidir por mim e, naturalmente, continuei a ir com os amigos.
Acabámos de passar pela 42ª festa; 42 edições do que para mim é o maior acontecimento cultural a nível nacional. Entrar na FA! à sexta feira e sair ao domingo quase equivale a uma volta a Portugal condensada. Vamos chegando à Quinta da Atalaia, Amora, Seixal e o sentimento que se apercebe nos olhares de quem chega é a expectativa: o que haverá de novo este ano? Será que vou encontrar aquela pessoa ou a outra? Será que vou conseguir ver aquele espectáculo?
As portas abrem pontualmente às 18h e começamos a ver magotes de pessoas a chegar. Do lado de dentro uma orquestra de percussão, os Karma Drums, recebem os visitantes com sorrisos. Durante uma hora aproximadamente fazem a abertura da festa, criando um desfile que começa numa das pontas da festa e desfila até ao ponto marcado para a abertura oficial.
Às 19h, sempre pontualmente, num palanque adaptado, alguns dirigentes do PCP reunem-se para dar as boas vindas. A festa é inaugurada! Ouvem-se os habituais hinos: Começa com o “Avante Camarada!”, canta-se “A Internacional”, “A Portuguesa” e num misto de sorrisos, de ansiedade mas mais que tudo de energia contagiante toca a “Carvalhesa”, altura em que todos saltam e abrem os braços à programação sublime que se segue.
Mas, antes disso talvez seja melhor comer qualquer coisa. O pior vai ser escolher: A festa é feita por pessoas de todo o país e, como tal, possui vários pavilhões representativos das regiões: podemos num instante passar por Viana do Castelo onde comemos uns Rojões com arroz de sarrabulho acompanhados com broa de milho e regados a Alvarinho; saltar até ao Algarve e comer um arroz de Marisco, não sem antes passar por Castelo Branco e saborear o sabor intenso da hortelã dos Maranhos. Se por outro lado se pretende provar especialidades de outros países também conseguimos: várias delegações internacionais estão presentes trazendo as suas comidas mais típicas: uma Massaroca na delegação da Frelimo, um esparguete al pesto no Partido Comunista Italiano ou uma Pita Falafel na Organização de Libertação da Palestina.
De barriga cheia descemos e vamos procurar a programação: como é hábito todos os anos, a sexta-feira no Palco 25 de Abril é sempre temática. Este ano fomos brindados com um Concerto em Louvor do Homem no Bicentenário de Karl Marx – concerto este realizado pela Orquestra Sinfonietta de Lisboa e o Coro Sinfónico Lisboa Cantat com os Maestros Vasco Pearce de Azevedo e Jorge Alves. Momento sublime em que somos transportados ao som de Copland, Bernstein, Mendelssohn-Bartholdy. Tchaikovsky e Beethoven.
Parece que já passaram tantos dias, com toda a amálgama de experiências já vividas. Naturalmente nem toda a gente gosta de assistir à orquestra sinfónica – não há qualquer problema: em simultâneo, e em áreas dispares do terreno podemos assistir a concertos noutros Palcos – Tubarões de Cabo Verde no Auditório 1º de Maio, Marafona no Palco Arraial. Se ainda assim, não é bem a música que nos move o Avanteatro apresenta, pel’ A Barraca ” 1936, o Ano da Morte de Ricardo Reis” a partir da obra de José Saramago e, não muito longe, no CineAvante o filme “O Jovem Karl Marx” de Raoul Peck.
Pela noite dentro muitos mais palcos estão a funcionar e muitas outras actividades estão disponíveis mas como ainda temos sábado e domingo é melhor abrandar o ritmo e tentar aproveitar nos outros dias.
Sábado e domingo a festa abre às 10h da manhã, e nada melhor do que chegar cedinho para ir visitar os pontos que durante os concertos acabamos por negligenciar: a Feira do Disco e do Livro – este ano com a presença de Mia Couto, José Luandino Vieira e Ondjaki; o espaço desporto onde se assistem a demonstrações e/ou torneios; o Espaço Central com as suas esposições e debates – este ano com os Bonecos de Santo Aleixo vindos de Évora; o espaço de Artes com exposições de Medalhística, Pintura e Escultura e Serigrafia.
Pausa.
Sim, também é necessário fazer algumas pausas na festa. Na roda gigante – que, montada no ponto mais alto permite a quem anda nela uma visão inesquecível de um país construído ao longo do ano para ser vivenciado durante três dias. Um país encaixado na Baía do Seixal, com uma vista privilegiada para Lisboa.
Podia mencionar aqui todos os concertos das grandes vedetas que frequentam a festa mas parece-me mais benéfico falar dos outros: os que são menos famosos e têm direito a mostrar o seu trabalho numa festa tão diversificada: os Ranchos marcam a sua presença bem com os Corais Alentejanos, Lisboa brinda-nos com um Café Concerto e com um Espaço Fado, a JCP programa o Palco Novos Valores onde entre outros se assitiu ao concerto de Scúru Fitchadú. De destacar ainda a presença do grupp 47Soul da Palestina que fez um show case no Palco Solidariedade (no Espaço Internacional).
Só de descrever os caminhos já me doem as pernas! E pensando também (e principalmente) nas pessoas com mobilidade reduzida este ano a festa teve um comboio turistico a circular entre os dois extremos. A preocupação com o bem estar dos visitantes nota-se a cada passo dentro desta cidade improvisada. Também para isso contribui o Espaço Criança – uma zona com baloiços, sombras onde as famílias podem permanecer durante as horas de maior calor. A pensar também neles a própria programação da festa apareceu revestida de novidades: exibição de alguns filmes da Monstrinha; o Concerto para Bebés, teatro de marionetas.
Enfim, chegando a Domingo podemos sempre participar na Corrida e Caminhada da Festa e talvez guardar a visita ao Espaço Ciência para este dia. Enquanto nos sentamos na relva e olhamos em volta com ar embevecido não faltará oportunidade de ver um dos muitos grupos de animação que circulam durante os três dias: além dos já mencionados destaco os Pauliteiros da Cidade de Miranda, os Bombos de Lavacolhos e os Ida e Volta com os seus cabeçudos.
Como qualquer festa política chega a hora do comício, o ponto alto para a maior parte dos visitantes da festa.
São 20h, a festa está quase a terminar mas ainda conseguimos sentir um ultimo esgar de energia e, passando a caminho da saída pelo Palco Arraial, juntamo-nos aos Zikhamu e damos uns passinhos de dança – danças do mundo, danças tradicionais.
Damos os últimos abraços – passamos nas barraquinhas de artesanato das regiões em busca de uma última lembrança que nos grave na memória aquilo que sabemos que não vamos esquecer e seguimos. Seguimos na certeza única de que dia após dia criar a terra dos sonhos é possivel; basta estar acordado. Encontramo-nos lá dias 6, 7 e 8 de Setembro de 2019?