“Cada velho que morre é uma biblioteca que arde”
Não sei quando ouvi esta frase mas, de vez em quando, volta à minha memória trazendo consigo sempre uma imagem da minha Biblioteca Nacional, a minha avó, de quem me vi privada em 2006.
E ao ver a peça da Raquel André é um pouco isto que sinto: não sobre um velho, não sobre uma morte mas sobre o efeito do tempo no que é gravado e guardado: a efemeridade da memória, aqueles momentos meus, tão meus que tenho comigo e que sei que por muito que fale deles e por muito que tenham sido e sejam ainda importantes para mim irão um dia esvair-se com a mesma facilidade com que uma criança nasce e abre os seus pulmões num grande choro de presença feliz.
Entramos na peça e somos inundados por memórias – memórias que são partilhadas pela Raquel não em palavras, não em imagens mas em movimento. Conta a Raquel, e sabemos nós, este é o terceiro ato desta elegia à memória: começámos com os Amantes, passámos aos Colecionadores e vamos agora nos Artistas. E não seremos todos e cada um artistas de alguma forma? O que nos falta para isso? De que forma é que os nossos feitos artísticos foram e são estimulados?
Entre histórias individuais, recolhidas pelo mundo fora vamos ouvindo histórias pessoais, histórias de quem ousou fazer o que não tinha sido feito antes mas também histórias de quem à sua maneira trilhou um caminho já existente. De uma forma dócil, quase sem nos apercebermos vamos refletindo sobre as várias temáticas importantes: o feminismo, o papel da mulher na arte, a arte, o valor da arte, o trabalho.
No fim, levados pela mão, somos transportados para uma memória futura – somos expostos, como se fossemos sujeitos a um efeito de espelho e passamos a ser observados, nós, como espetadores somos recolhidos, somos envolvidos num papel embrulho atado por uma fita chamada memória para que dentro de alguns meses se desembrulhe e se apresente o quarto momento: Coleção de espetadores.
Até lá vamos estar atentos – vamos ficar alerta a colecionar os momentos partilhados pela Raquel.
Entrevista de Raquel André ao Coffeepaste