“Cada velho que morre é uma biblioteca que arde”

Não sei quando ouvi esta frase mas, de vez em quando, volta à minha memória trazendo consigo sempre uma imagem da minha Biblioteca Nacional, a minha avó, de quem me vi privada em 2006.

E ao ver a peça da Raquel André é um pouco isto que sinto: não sobre um velho, não sobre uma morte mas sobre o efeito do tempo no que é gravado e guardado: a efemeridade da memória, aqueles momentos meus, tão meus que tenho comigo e que sei que por muito que fale deles e por muito que tenham sido e sejam ainda importantes para mim irão um dia esvair-se com a mesma facilidade com que uma criança nasce e abre os seus pulmões num grande choro de presença feliz.

Entramos na peça e somos inundados por memórias – memórias que são partilhadas pela Raquel não em palavras, não em imagens mas em movimento. Conta a Raquel, e sabemos nós, este é o terceiro ato desta elegia à memória: começámos com os Amantes, passámos aos Colecionadores e vamos agora nos Artistas.  E não seremos todos e cada um artistas de alguma forma? O que nos falta para isso? De que forma é que os nossos feitos artísticos foram e são estimulados?

Entre histórias individuais, recolhidas pelo mundo fora vamos ouvindo histórias pessoais, histórias de quem ousou fazer o que não tinha sido feito antes mas também histórias de quem à sua maneira trilhou um caminho já existente. De uma forma dócil, quase sem nos apercebermos vamos refletindo sobre as várias temáticas importantes: o feminismo, o papel da mulher na arte, a arte, o valor da arte, o trabalho.

No fim, levados pela mão, somos transportados para uma memória futura – somos expostos, como se fossemos sujeitos a um efeito de espelho e passamos a ser observados, nós, como espetadores somos recolhidos, somos envolvidos num papel embrulho atado por uma fita chamada memória para que dentro de alguns meses se desembrulhe e se apresente o quarto momento: Coleção de espetadores.

Até lá vamos estar atentos – vamos ficar alerta a colecionar os momentos partilhados pela Raquel.

Entrevista de Raquel André ao Coffeepaste

de e com Raquel André
criação António Pedro Lopes, Bernardo de Almeida e Raquel André
música Odete
figurino José António Tenente
desenho de luz Carin Geada
colaboração artística Joana Brito Silva
produção Missanga
coprodução TNDM II, BIT Teatergarasjen, Contemporary Art Center Cincinnati, Tanzfabrik, Cialou/Mysl Foundation, casaBranca – Festival Verão Azul / Cine-Teatro Louletano, O Espaço do Tempo, FITEI
residências artísticas BIT Teatergarasjen, Tanzfabrik, Cialou/Mysl Foundation, Cine-Teatro Louletano, Teatro das Figuras, O Espaço do Tempo, FITEI, SZENE, Contemporary Art Center Cincinnati, CDN Orleáns, Chocolate Factory Theater
apoio financeiro às residências nos EUA FLAD – Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento
M/12
Categorias: Performance

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