As passagens dos Arcade Fire por Portugal sempre foram noites de festa, mas o culminar da comunhão entre banda e público aconteceu ontem, segunda-feira, no muito aguardado primeiro concerto em nome próprio por estes lados.
Numa sala cheia e com uma configuração atípica (o palco no centro da sala, com o público em redor) assistiu-se mais a um concerto em formato best of do que a uma apresentação do último disco, Everything Now – afinal, não é o disco mais bem recebido pelos fãs nem pela crítica e a banda parece ter noção disso. O que não impediu, ainda assim, a euforia logo à primeira música, precisamente o tema que dá título ao mais recente disco.
Seguiu-se de imediato o primeiro regresso ao passado, com Rebellion (Lies), sem tempo para recuperar o fôlego e já com o público aos saltos – e começam a ouvir-se os primeiros “ooh—uuhs”. Haiti acalma os ânimos e leva-nos de volta ao primeiro álbum (a voz aguda e a postura performativa de Régine Chassagne a assumirem o papel principal, algo que se repetiria ao longo da noite em Electric Blue e Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)).
Os hinos continuaram a ser alternados com temas dos discos mais recentes – No Cars Go foi cantado a plenos pulmões (e a prova de como estas música envelheceram tão bem), tal como foi Neighborhood #1 (Tunnels) (mais uma vez, a catarse em forma de “whoa—ooh—ooh”) e Ready To Start. A banda – extensa – vai rodando no palco, passando de um instrumento para outro (até garrafas foram usadas como xilofone) e monstrando-se aos diferentes quadrantes do público.
Duas bolas de espelhos gigantes (e as lantejoulas do vestido de Régine, igualmente gigantes) transformam a sala no enorme pista de dança – e são servidas, quase sem pausas, Sprawl II (Mountains Beyond Mountains), Reflektor e Afterlife. Os decibéis já pesam nos ouvidos e Creature Comfort é apresentada numa versão ainda mais pesada do que em disco, crua e com uma muralha de sintetizadores. Neighborhood #3 (Power Out) fechou em força o alinhamento antes do encore, com direito a uns versos de I Give You Power (single de beneficência a favor da American Civil Liberties Union, editado em 2017 e com voz de Mavis Staples).
Já no encore ouviram-se We Don’t Deserve Love, Everything Now (Continued) e a apoteótica Wake Up, esta última com a participação dos Preservation Hall Jazz Band (banda que havia tocado na primeira parte) nos metais e percussões. Qual coro de igreja, o público responde ao apelo do sacerdote em palco com mais “ooh-aahs” – cânticos que ainda ecoam na sala quando a banda recolhe aos bastidores, passando pelo meio do público (da mesma forma que, de resto, tinha subido ao palco), enquanto continuam a tocar o refrão do êxito de Funeral numa versão unplugged, só com sopros e percussões. Ainda houve tempo, em registo de improviso e já com a banda meio fora do recinto, para uma versão Rebel Rebel, de David Bowie (presença que já se tinha feito notar nas ecrãs gigantes durante Reflektor, tema em que Bowie participou, e que levou a alguma comoção no público).
A banda raramente se dirigiu ao fãs (Win Butler tinha agradecido, apenas, e dito que estavam muito contentes por estar de volta), mas era visível a satisfação na cara de todos os elementos no final da noite.
Longe vão os tempos em que se podia apelidar os Arcade Fire de “banda indie” – o aparato técnico do concerto (luzes, projecções, o ringue no meio da sala) mostra bem que já estão noutro campeonato. Longe vão também os tempos em que o único elemento cénico era um vídeo, a anteceder o concerto, de uma menina brasileira a discursar numa assembleia evangélica (como os vimos em 2007, no concerto integrado no festival Super Bock Super Rock no Parque Tejo). Mas, por baixo do complexo jogos de luzes, os concertos dos canadianos continuam a ser momentos de celebração, comunhão e até transcendência, próximo de uma experiência religiosa (ainda que agora menos literal do que pela altura de Neon Bible).
No Campo Pequeno só se podia ter pedido melhor acústica (as músicas soavam quase irreconhecíveis para quem estava na plateia mais próximo do palco) – o resto esperamos que se mantenha igual até Agosto, altura em que regressão para o festival Paredes de Coura.
Arcade Fire
23 Abril 2018
Campo Pequeno
Lisboa