Antígona fala-nos de famílias: a família da história em si, família de Tebas e a família teatral que se cruza com a família da encenadora.
Pela beleza da coincidência começo por apresentar a Mónica Garnel, neta de Mariana Rey Monteiro, portanto bisneta de Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro. Mónica Garnel, em 2019, leva a palco no TNDMII a peça com que a sua avó se estreou como atriz, dirigida pelos pais.
Antígona que mais há a dizer sobre esta história? Que outro olhar se poderia lançar? Que atualização se poderia fazer a um texto tão clássico e ao mesmo tempo tão atual?
Mónica encena esta peça recorrendo ao corpo teatral do TNDMII – apesar de possuir um corpo teatral experiente e maduro, o TNDMII possui também um grupo de atores estagiários. Aqui está um dos pontos-chave desta peça: o trabalho que se observa nos atores mais jovens consegue compreender-se que vai beber aos ensinamentos dos veteranos e, ao mesmo tempo, transporta uma frescura, uma lufada de ar fresco para o palco.
O texto, tradução do original com poucas adaptações/atualizações está bem conseguido: cada personagem, por menor que seja a sua evidência individual, transporta uma mensagem; uma imagem mental de análise de um tipo de pessoa. Analisa-se a relação de Antígona com a morte; com o respeito aos seus; com o respeito às leis divinas em contrasenso às leis dos homens. O Coro, como sempre nas tragédias, a mostrar-nos imparcialmente o que não se vê; a dar-nos alguns pontos de pensamento (e neste caso, alguns movimentos como palavras dançadas) para o que vimos e veremos em seguida. Creonte mostra-nos os habituais balofos verbos de encher cuja cegueira é maior do que a dos verdadeiros cegos, cuja soberba lhe incha o ego ao ponto de não conseguir compreender a mensagem mais simples. Hémon o filho obediente, que obedece em desacordo, o filho que tenta ser o fio de ligação entre Creonte e o povo nunca o conseguindo. Ismena, quantos de nós o somos – não concordando com alguma coisa mas dando a mão e o apoio (ainda que incompreendido) quando algo não corre bem. E Eurídice a personagem dentro da personagem; a mulher que se esconde atrás de um sorriso, que não permite transparecer o que sente e que sozinha se debate com a frustração e o desânimo.
Todas as personagens apresentadas, como todas as de que não falo mostram algo que nós próprios sentimos em alguma altura da vida: essa é a magia do texto apresentado. Em dado momento, o Coro reclama a história de tantas outras mulheres comuns: ouvem-se nomes de mulheres chave, de mulheres luta, de mulheres desconhecidas: Marielle, Malala, Raquel… Nomes de todas as mulheres que podem ser qualquer uma de nós nas lutas diariamente travadas.
A peça tem ainda uma outra nuance: os papéis de Ismena e Antígona são intermutáveis: 3 atrizes irão “rodar” nestes papéis o que fará com que cada apresentação acabe por ser única pelas linhas que se constroem em redor de cada um.
Ver este espetáculo durante o “Entrada Livre” é também ver um corpo em desenvolvimento: houve momentos em que senti alguns desacertos; tropeços em palavras ou até alguma falta de segurança mas sinto também que assisti a uma peça em crescimento; que como todas as máquinas para que haja um bom funcionamento é necessário que os mecanismos estejam todos a funcionar e bem oleados.
Resta-nos, no fim, a esperança nos Tirésias do mundo: os adivinhos, as vozes da consciência. Resta-nos a sabedoria do cego porque já o velho adágio diz: “Maior cego é aquele que não quer ver.”
Fechemos então os olhos e pensemos no que podemos fazer de diferente num mundo que não abranda; num mundo que apenas corre e tenta solucionar o ontem sem pensar nunca no amanhã.
Antígona, de Sófocles
De 18 de Setembro a 6 de Outubro
encenação Mónica Garnel
texto Sófocles
com André Simões, Carolina Passos-Sousa, Diana Lara, Isaías Viveiros, João Grosso, Joana Pialgata, Laura Aguilar, Lúcia Maria, Manuel Coelho, Maurice, Paula Mora, Pedro Moldão e Pedro Russo
tradução Marta Várzeas
música original Vitória
cenografia e figurinos Marta Carreiras
desenho de luz Rui Monteiro
sonoplastia e desenho de som João Diogo Pratas
apoio à dramaturgia Mónica Calle
consultoria artística e assistência de encenação Inês Vaz
assistente de cenografia, adereços e figurinos Mafalda Rodrigues
vídeo João Gambino
produção TNDM II
M/12
duração 1h55